
Hungria e Duckjay (Tribo da Periferia) Celebram Raízes do Rap DF e Revelam Histórias no Podpah
O podcast Podpah recebeu dois dos maiores nomes do rap nacional, Hungria e Duckjay, líder…
O podcast Podpah recebeu dois dos maiores nomes do rap nacional, Hungria e Duckjay, líder do Tribo da Periferia, na edição #985. O encontro entre os artistas de Brasília, que possuem carreiras interligadas e uma origem comum na cena do Distrito Federal (DF), foi marcado por histórias sobre a criação do subgênero de rap de carros, a dificuldade do início da carreira no underground e a virada de chave proporcionada pela monetização digital.
O Início da Tribo da Periferia e o Rap de Brasília
Duckjay relembrou o início de sua trajetória musical em 1998, destacando o desafio de fazer rap em Brasília, longe do eixo Rio-São Paulo. Ele descreveu a cena como “bem nichada”, voltada para quem já fazia ou curtia o movimento.
A motivação para começar a compor veio da rua, da convivência com os amigos e da necessidade de falar sobre a própria realidade.
“A gente falava bem da rua mesmo, velho. Bem dos amigos. Falava mais dos amigos de roupa, dos sonhos também. É um salve ali pra minha quebrada, pra rua de cima, pá, para lá da da da três, da quatro, da cinco, que lá onde eu moro não é asa, né, mano? É tipo quadras assim, várias quadras quebradas.”
O sucesso, no entanto, demorou a chegar. Duckjay revelou que o reconhecimento só veio com a música “Carro de Malandro”, lançada em 2003. O termo “carro de malandro” era uma gíria local que se popularizou a ponto de o som virar febre nacional.
- Termômetro da Rua: Na época, antes do auge do YouTube, o termômetro para saber se uma música estava “estourada” era a quantidade de carros tocando o som nas ruas.
- Divulgação: A música se espalhou inicialmente através de um DVD de coletânea de rap de Brasília, que rodou o país, e depois com um clipe gravado pelos próprios artistas.
A Cultura dos Carros e a Inovação do Grave no DF
Hungria e Duckjay detalharam a forte cultura do som automotivo em Brasília. Eles citaram o exemplo do posto de gasolina Flamingo, que reunia cerca de três mil pessoas no estacionamento em encontros espontâneos, onde carros de todas as classes sociais se misturavam.
O Grave de Brasília
Duckjay compartilhou a inovação sonora que virou marca registrada do rap do DF: o grave absurdamente potente e limpo, diferente dos beats de outras regiões.
“Esse bit é de Brasília, tá? Esse grave de Brasília, cara, foram vocês que trouxeram isso? Já existia. Por que que esse grave absurdo que tem em Brasília, mano?”
Ele atribuiu a popularização dessa sonoridade ao grupo Alibi. Duckjay confessou que ele mesmo criava seus próprios sub-graves para se destacar:
“Eu roubava no jogo porque eu criava a 808 minha, né? Eu pegava um kick, colocava um kick em cima do outro, jogava um sub em cima. Aí eu criava um subzão, bum. Aí eu jogava no bagulho.”
A Virada de Chave: O Divisor de Águas da “Insônia”
O encontro entre os dois rappers ocorreu em um estúdio em Planaltina, onde criaram a faixa “Insônia”, um divisor de águas na carreira de ambos.
No entanto, o momento mais impactante da entrevista foi a revelação sobre a descoberta da monetização do YouTube. Na época, Hungria vendia churrasco e refeições rápidas (“jantinha”) na porta de uma faculdade para pagar os estudos.
Duckjay, após ter suas músicas registradas indevidamente por um antigo amigo, descobriu a existência de plataformas que pagavam pelos plays.
“Man, tem um negócio para te falar, galã. Eu falei: ‘Qual foi?’ Ele: ‘YouTube tá dando dinheiro.’ Como assim tá dando dinheiro? Quer mano, olha isso aqui. (…) Quando eu entrei lá nesse bagulho lá que me cadastrei tinha R$ 10.000, eu falei: ‘Tô rico, tô rico.'”
Hungria descreveu o momento como uma mudança de vida que o impediu de parar com a música. Uma semana antes, ele e seu empresário consideravam abandonar o rap para focar nos estudos, mas o dinheiro descoberto proporcionou a estabilidade necessária para continuar investindo na carreira.
Perdas e Superação: O Incêndio no Estúdio
Duckjay também relembrou o maior desafio de sua trajetória: em 2008/2009, o estúdio onde trabalhava pegou fogo devido a uma gambiarra na iluminação da cabine.
“Aí a cabine começa uma fumacinha saísse no cantinho bem na manha assim, a fumacinha, né? (…) Quando eu abri a cabine, o fogo já tava na cabine inteirinha…”
O incidente causou a perda de músicas inteiras, equipamentos e levou o artista a inalar muita fumaça, necessitando de atendimento hospitalar. Hungria afirmou que aquele foi o único momento em que viu Duckjay considerar parar com a música. A volta por cima só foi possível graças à ajuda de amigos e da própria comunidade, que se uniram para arrecadar dinheiro e reconstruir o estúdio.
Duckjay também mencionou o período em que trabalhava incansavelmente no estúdio, gravando músicas de rap e gospel no mesmo dia, e, por vezes, escrevendo refrães para diversos grupos de Brasília, muitos dos quais estouraram na cena, sem receber por isso — cobrando apenas o valor da produção.
O podcast reforçou a importância de ambos os artistas para a cena do rap nacional e como a persistência e a força da comunidade foram essenciais para o sucesso vindo de Brasília.