Foto Créditos: Tchello Oruê

“Herói”: o manifesto do Setor Norte contra a violência do estado e a desigualdade social

Versos diretos, imagens reais e uma direção potente transformam o clipe em grito de resistência…

Versos diretos, imagens reais e uma direção potente transformam o clipe em grito de resistência contra a política de terror nas comunidades do Rio de Janeiro.

O duo carioca Setor Norte, formado por Pedro Yuka e Rômulo Catharino, lança nesta última quinta-feira (30),  o videoclipe do single Herói. Dirigido pelo conceituado Ronald Land, que já trabalhou com nomes como Planet Hemp, BK e L7nnon, o vídeo traz um mix entre imagens do duo contra um fundo infinito, trechos de um show privado realizado na Altafonte exclusivamente para o vídeo e cenas de confronto entre a polícia e manifestantes.

Com versos fortes como “Vai ver se no Leblon tem invasão? /Vai ver se no Leblon tem Caveirão? /Vai ver quem ganha com essa armação? /Fuzil na mão /Corpos no chão”, o videoclipe chega em um  momento pesado em que o refrão parece ser uma visão fielmente descritiva do massacre realizado nesta terça-feira no Complexo do Alemão e da Penha, quando na verdade é apenas a denúncia de mais uma tragédia anunciada e recorrente no Rio de Janeiro há décadas.

Enquanto uma operação policial deixou mais de 120 moradores mortos, se tornando desde já a mais brutal da história das favelas cariocas, versos como “Todo dia morre mais um que poderia ser MC ou B-boy/ Baleado porque não tinha a cara dos Back Street Boys/Enquanto o avião da FAB carrega a farinha dos super-heróis”, embora mais dolorosos, parecem também mais necessários do que nunca “Infelizmente isso vai acontecer várias vezes ao longo do nosso trabalho, porque não é a primeira nem a última letra em que vou falar sobre isso”, lamenta Pedro Yuka, vocalista e letrista do duo. “E essa não vai ser a última operação que o BOPE vai fazer e vai matar um monte de gente no Rio de Janeiro, pois isso é um assunto recorrente”.

Para ele, a arte precisa se posicionar veementemente contra esse tipo de episódio.

“É meio triste estar presenciando e vivenciando tudo isso e, como artista, contar isso mais uma vez. É triste por saber que provavelmente não vai ser a última, porque isso faz parte de uma política de terror que acontece desde que eu sou criança e me entendo por gente. Meu irmão falava sobre isso 30 anos atrás, e eu infelizmente tô falando sobre isso agora de novo. E o que mudou no Rio de Janeiro?” desabafa o artista, referindo-se a o irmão Marcelo Yuka, ex-integrante do Rappa.

A letra de Herói faz uma crítica contundente à diferença de tratamento entre os moradores da favela e os dos bairros mais ricos, ressaltando a diferença de oportunidades e o jogo dos engravatados que perpetuam esse tipo de desigualdade.

Assista “Herói”:

Saiba mais sobre o Setor Norte

Herói, segundo single do duo Setor Norte, carrega a força de ter sido a mola propulsora do início do projeto. Após a morte do irmão, Marcelo Yuka (Rappa), Pedro uniu seus talentos ao de Rômulo, que já trabalhava no estúdio de Marcelo, para manter o projeto vivo e dar luz a novas obras artísticas.

Depois de um tempo produzindo vários artistas, o duo começou a produzir algumas faixas pessoais despretensiosamente, sendo a primeira delas “Herói”, escrita por Pedro. A música fez com que os artistas percebessem o potencial para o início de um novo trabalho e uma produtiva parceria que expressasse seus sentimentos pessoais mas também denunciasse a hipocrisia e as desigualdades sociais. “Foi um período de luto pra mim, e o Rômulo acompanhou isso tudo também. Então a faixa carrega sentimentos ligados a essa reflexão, mas o projeto inteiro tem um contexto social, que é uma coisa nossa de enxergar a música como uma ferramenta. E essas veias individuais, que são bonitas também, não invalidam o resto do trabalho, porque a gente consegue costurar isso bem dentro da nossa perspectiva”, analisa Pedro, que apesar de ser especializado em áreas de conhecimento ligados à música e a técnica dos estúdios, não se via como um cantor, até então. Incentivado por essa experiência, passou a estudar canto e assumir o papel de vocalista  e compositor.

 “Herói” é a síntese dessa proposta, partindo de um ponto de vista subjetivo e poético para evidenciar problemas estruturais do povo brasileiro. Em uma visão distópica, o eu lírico imagina: “Nos palcos da periferia brasileira/ Vi Spice Girls no passinho de funk/ Bruno Marz cantando na igreja/ Ronaldinho desistindo do futebol pra ganhar uma merreca no plantão/ Enquanto Gisele Bündchen corre com os filhos na mão”.

“Herói” fará parte do álbum “Palavras inteiras” (título que bate de frente com a ideia de “meias palavras”), com lançamento previsto ainda para este ano. O disco inaugura uma promissora carreira para a dupla que mistura diversos estilos de música urbana para falar sobre as dores individuais e coletivas do cidadão comum.