Stefanie - Foto Créditos: @thalescortes

Bunmi: Stefanie traz um testemunho de dor e renascimento em seu álbum

O ano era 2018 e vivíamos o boom da cena do rap nacional, impulsionado pelo…

O ano era 2018 e vivíamos o boom da cena do rap nacional, impulsionado pelo famoso Ano Lírico de 2017. Foi nesse contexto que saiu a Cypher Respect 3, onde escutei Stefanie pela primeira vez. Fui imediatamente fisgado. A voz, a postura, o flow gangsta aliado a uma caneta afiada, não tinha como: Stefanie passou a ser presença constante nos meus fones. Claro, já estava atrasado, ela já vinha deixando suas marcas na cena há muito tempo.

Começo de forma nostálgica porque, ao ver o lançamento do seu primeiro álbum, fui tomado por uma empolgação que há muito não sentia. Fiz algo raro hoje em dia, sentei, liguei o som e ouvi o disco do início ao fim, sem distrações. Foi um presente. Sei que estou atrasado, mas não vou culpar os corres da vida, deixo isso para o disco contar.

Bunmi saiu em abril e já aparece nas listas de álbuns do ano, o que não surpreende. É um trabalho consistente, maduro e, acima de tudo, empolgante. Stefanie não apenas revisita sua trajetória, mas expõe sua vida por inteiro. Ao ouvir, senti que Stefanie nos faz percorrer um calvário: começa carregando uma pesada cruz, atravessa dores imensas e chega, enfim, à ressurreição e à plenitude.

Logo na primeira faixa, Stefanie não escapa do peso que carrega. “Às vezes que fugi me senti só e quando estive só me encontrei”. Em Fugir Não Adianta, reafirma sua missão de não largar a caneta, aquela que vem desde a época das calças largas e que ainda hoje tem carga para escrever verdades incômodas. Quem não corre pelo seu, não corresponde. Simples assim.

Por um Fio, com Rodrigo Ogi, soa quase como um diário de sobrevivência. Cada rima relembra as vezes em que escapou por pouco, da dor, da depressão, da violência que insiste em rondar. “O que já passei e o que ninguém viu”, confessa. Ogi, com sua multiplicidade de flows, soma ainda mais peso poético à faixa.

Stefanie também entende que sua mente é um campo de batalha. Em Não Pirar, revela o esforço constante para não perder o eixo. “Cuidando da minha mente pra ela não pirar”. Quando Ana Tijoux surge cantando em espanhol, fica claro que essas dores se conectam com feridas espalhadas por toda a América Latina.

Desconforto chega para escancarar o racismo sem rodeios. “Me ame ou me odeie, trago desconforto”. Não é sobre deixar o público confortável, é sobre cutucar feridas que precisam sangrar para quem sabe, cicatrizar. As rimas transbordam situações revoltantes e trazem à tona os famosos “casos isolados”.

Em Mundo Dual, Stefanie abre o peito para falar das perdas que a vida empilhou, dos irmãos, do pai, da dor que habita a mãe. Mas também do filho, que chegou na hora certa para iluminar o que estava escuro, para devolver a esperança. “Eternidade é saber aproveitar o momento mesmo em dias ruins”, lembra, tentando encontrar beleza onde só parece haver luto.

Nada Pessoal mostra Stefanie humana, falha, exausta. “Muitas vezes não é sobre você, é sobre mim”. Às vezes é preciso se recolher, ser antissocial, cuidar do próprio caos antes de tentar abraçar o mundo. É o autocuidado indispensável para seguir viva.

Outra Realidade é quase um manifesto periférico, com Cris SNJ, Nega Gizza e Iza Sabino. Mostra as dificuldades de quem tenta ganhar o mundo já largando atrás. “Ninguém cresce na vida de barriga vazia”. Não dá para pensar grande com o estômago roncando.

Maat convoca o dream team. Rashid, Kamau, Emicida e Rincon Sapiência se juntam para celebrar o corre, a técnica, a vitória de quem foi preterido e hoje é rainha da bateria. Não é só hype, é rap com propósito, flow com destino.

Puro Love, com Ludji Luna, traz leveza e mostra que, apesar do peso que carregou até aqui, Stefanie não perdeu a capacidade de amar, de sonhar. “Eu sou puro love… é o amor que me move”. No fim, é isso que sustenta tudo.

Plenitude encerra o disco como quem fecha um ciclo. Stefanie reconhece que sozinha não suportaria tanta pressão. Fala do filho, da fé, do amor transformador que preencheu o vazio do peito. “Luz que vem pra clarear e ampliar minha visão”, canta, deixando claro que encontrou algo maior para se agarrar.

Bunmi vem do iorubá e significa algo como “presente para mim” ou “meu presente”. Dá para sentir que o nome foi pensado com cuidado, quase um mantra íntimo, um presente para ela, para o filho, para os seus. Mas peço licença para agradecer, porque foi também um presente para mim.

Confira o álbum:

Foto Créditos: @thalescortes