
Emicida Racional V.2: A Poesia da Dor que Nos Une
O lançamento de “Emicida Racional VL 2 – Mesmas Cores & Mesmos Valores” convida, à…
O lançamento de “Emicida Racional VL 2 – Mesmas Cores & Mesmos Valores” convida, à primeira vista, à dissecção técnica. Espera-se do disco uma análise minuciosa: a engenharia de mixagem impecável, a inventividade dos beats, a afiação das punch lines e a complexidade lírica que pavimentou a trajetória do rapper. De fato, todos esses elementos estão presentes e atingem um padrão de excelência inegável.
Contudo, este não é um álbum feito para ser apenas analisado; é arte concebida para ser sentida.
Inicialmente, a referência explícita à obra seminal dos Racionais MCs pode gerar uma curiosidade intelectual. Por que revisitar este universo? A resposta não está na comparação, mas na profundidade da dor e do entendimento que se revela a cada faixa. Enquanto a crítica e o público sempre buscaram decifrar a “Racionalidade” por trás da figura pública de Mano Brown, este álbum nos força a ir além: Quem, de fato, compreendeu a essência de Pedro Paulo?
O que Emicida entrega é um testamento lírico escrito não pelo artista, mas pelo homem: Leandro. Ao enfrentar a perda de Dona Jacira, sua mãe, ele alcança uma simpatia profunda pela dor de Pedro Paulo sem sua Dona Ana. E foi nesse abismo de luto que o público, de forma visceral, encontra a sua própria ausência, eu, como ouvinte, encontrei minha própria perda: a dor sem minha Dona Socorro, que me tomou já na primeira faixa.
A partida de um ente querido atinge cada indivíduo de maneira singular. O luto é uma geografia pessoal, onde cada um se despedaça e tenta se reconstruir em tempos e formas distintas, se é que a reconstrução completa é possível. Somos, afinal, uma mistura complexa de luta pela vida, saudade pungente e dor latente.
Apesar de sermos universos particulares, existem constantes universais que nos unem na fragilidade: a Morte é a Morte, a Dor é a Dor, e a Saudade é a Saudade. Este é o ponto de encontro da humanidade, o lugar onde sofremos em sociedade, um choro coletivo que tentamos calar, mas que, por vezes, explode em arte.
E é neste ponto que a maestria de Emicida Racional V.2 se evidencia. Mesmo quando a lírica aborda explicitamente as cicatrizes sociais, como o trauma do Massacre do Carandiru ou a violência policial que marcou eventos como a Virada Cultural de 2007, as constantes estão lá, imutáveis. O álbum não precisa falar diretamente da perda pessoal do rapper para senti-la, pois o luto é algo que se manifesta no nosso simples existir, uma condição que transpiramos mesmo sem querer.
Assim, Emicida conversa diretamente com o íntimo que tentamos proteger. Ele não traz a cura nem a superação fácil, mas o entendimento de que não existe racionalidade absoluta para esse sofrimento. A busca por ser racional é válida, mas até “Jesus Chorou”.
No entanto, há esperança: a memória, a honra e a celebração de quem se amou. É o que nos irmana.
Este não é um álbum apenas para ouvir e acompanhar em shows; é uma experiência pensada em minúcias, ou melhor, sentida por Leandro e transformada em arte por Emicida, para que vivamos cada detalhe emocional. É impossível atravessar suas faixas sem evocar a imagem de alguém que se foi, seja um familiar ou uma vítima da injustiça social.
E, no final, não é exatamente isso que conecta todos nós?
Dona Jacira do Leandro, Dona Ana do Pedro Paulo, Dona Maria de alguém, minha Dona Socorro, … Qual é o nome da sua saudade? E como ela nos conecta? Escute e provavelmente responderá.