Show Virgínia Rodrigues crédito: Pâmela Bernardo

FAN BH 2023 reúne mais de 25 mil pessoas em torno de programação multilinguagens

Reflexões das Rodas de Conversa abordaram a pluralidade da cultura e das artes negras Um…

Reflexões das Rodas de Conversa abordaram a pluralidade da cultura e das artes negras

Um encontro de ancestralidade e contemporaneidade, a partir da encruzilhada que une passado, presente e futuro, tendo a trança como símbolo principal. Assim foi a 12ª edição do Festival de Arte Negra de Belo Horizonte 2023, que reuniu mais de 25 mil pessoas de diversas faixas etárias e contou com uma avaliação geral do público extremamente positiva ao receber a nota 9,2, segundo pesquisa aplicada durante o evento.

Realizado pela Prefeitura de Belo Horizonte, em parceria com o Instituto Lumiar, selecionado a partir de um chamamento público, o FAN BH 2023, que aconteceu entre os dias 23 a 29 de outubro, teve como palco principal o Parque Municipal Américo Renê Giannetti, mas, buscando também descentralizar as atividades, o evento ocupou outros espaços, como o Viaduto das Artes, no Barreiro, o Cine Santa Tereza e o Teatro Raul Belém Machado, no bairro Alípio de Melo.

Iniciativa da Secretaria Municipal de Cultura e da Fundação Municipal de Cultura, o Festival apresentou uma programação composta por espetáculos infantis, sessões de cinema, bate-papos, shows musicais e performances de dança. Ao todo, foram mais de 100 atrações, distribuídas pelos sete dias de evento, com a passagem de grandes nomes da música negra como Chico César, Fundo de Quintal, Major RD, Virgínia Rodrigues e MV Bill, entre outros.

De acordo com a pesquisa de satisfação realizada pela Secretaria Municipal de Cultura e Fundação Municipal de Cultura, com o apoio do Observatório do Turismo de Belo Horizonte, da Belotur, o FAN BH 2023 atingiu a nota 9,6 no quesito qualidade das apresentações, em uma escala que vai até 10 pontos.  A categoria “Espaço de acordo com as atividades” também ganhou uma nota alta:  9,5 pontos. Já os temas “Organização” e “Estrutura do Evento” foram avaliados com a mesma nota: 9,2. Esta pesquisa de público do FAN BH 2023 foi realizada com 1100 pessoas durante as atividades do evento e será disponibilizada em breve.

PRESENÇA DO PODER PÚBLICO

Na manhã do dia 28 de novembro, o Prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman, prestigiou o FAN BH. Durante o encontro, que aconteceu no Parque Municipal, Fuad conversou com expositores e artistas participantes do Mercado Ojá; acompanhou a apresentação “1, 2, 3 Tô Salvo (?)”, atividade do FANzinho; e apreciou a Exposição Adinkras do IPEAFRO (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros). “Estou muito entusiasmado com esse Festival, que é um resgate de uma história que não podemos perder e faz parte da nossa cultura”, declarou o prefeito.

Pela primeira vez em Belo Horizonte, a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, realizou um bate-papo com lideranças quilombolas no Quilombo Souza, em Santa Tereza, região Leste de BH. Além disso, ela participou, no dia 24 de outubro, da Roda de Conversa com o tema “Futuros Desejáveis, Caminhos Possíveis: reflexões sobre cultura preta, tecnologias ancestrais, cidadania e reparação histórica”, agenda que aconteceu no Teatro Francisco Nunes, no Parque Municipal.

Durante o encontro, a Ministra defendeu o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para os quilombos. E ressaltou a importância da ancestralidade e  o papel da resistência da cultura negra em todo o país. “Precisamos que as políticas públicas cheguem a todos os lugares. Historicamente, o povo negro é muito forte na cultura e na arte e por isso resistimos e persistimos. O FAN BH é importantíssimo e que venham outros festivais como esse”, defende.

Para a Secretária Municipal de Cultura, Eliane Parreiras, que esteve em diversas atividades do evento, “o FAN BH é um festival que apresenta, resgata e difunde diversas manifestações de matriz africana e reúne um recorte significativo da riqueza cultural existente em Belo Horizonte, no Brasil e até em outros lugares do mundo. Exatamente por representar essa potência cultural e artística, o FAN BH enquanto política pública municipal de cultura é fundamental para a formação de público, além de fortalecer o setor artístico e cultural da cidade”, destaca.

De acordo com a Presidente da Fundação Municipal de Cultura, Luciana Féres, que também acompanhou de perto o FAN, “nesta edição, tivemos uma programação multilinguagens, que reflete a pluralidade da cultura e das artes negras. É um festival que fortalece a importância da cultura para a construção de uma sociedade antirracista e um compromisso da política pública em cumprir o papel de fortalecer e promover as identidades culturais de matrizes africanas”, pontua.

A TRÍADE TEMPORAL: UM ENTRELAÇAR DE PASSADO, PRESENTE E FUTURO

O tema central do FAN BH 2023 foi a Tríade Temporal, conceito que norteou a construção do Festival, atuando como uma ponte entre as tradições ancestrais e as visões futurísticas, em busca de uma compreensão mais profunda do presente. O evento desempenhou o papel de catalisador dessa encruzilhada, provocando reflexões profundas sobre território, cultura e políticas públicas.

A 12ª edição do Festival trouxe o pequeno Luan Manzo como Mestrinho de Cerimônia da abertura do evento e, pensando nos pequenos, o FAN disponibilizou uma programação direcionada ao público infantil. O Fanzinho contou com apresentação de teatro, oficina de trança nagô e sessões de cinema com obras que exaltam a comunidade negra e sua ancestralidade. Um dos filmes exibidos foi o curta-metragem “Olhos de Erê”, do próprio Luan Manzo, que fala sobre a história de um menino quilombola, criado em um terreiro de candomblé.

No cerne dessa temática também encontrou-se a trança, um dos maiores símbolos da cultura africana. Mais do que uma manifestação estética, a trança representa uma ferramenta de sobrevivência que remonta aos tempos da escravidão, servindo como uma tecnologia ancestral que permitiu a preservação da cultura e da identidade negra.

Isaura Paulino, uma das fundadoras da Ubuntu Produções, responsável pela produção do Festival, ressalta a importância do tema deste ano para a comunidade negra e a significância do conceito para esse evento multilinguagens e de programação diversa, como é o FAN BH. “Para o povo preto, a trança é uma tecnologia. Dos símbolos mais potentes que atravessam a nossa cultura, a trança é saber ancestral transmitido de geração em geração. E, para além da estética, esse elemento fala muito sobre a resistência e a sobrevivência do povo preto. Ter a trança como tema central do FAN BH – esse que é o maior festival multilinguagem de arte negra da América Latina –  foi uma escolha consciente, pensada a partir da força e beleza desse conjunto uno e potente, formado a partir da união de 3 fios, 3 tempos, 3 conceitos”, comemora.

ABERTURA EM GRANDE ESTILO

No dia 23 de outubro, o FAN BH foi aberto oficialmente com três Cortejos Multilinguagens, que saíram de três locais distintos do Centro da cidade e se encontraram no Parque Municipal. Um deles foi comandado pela Guarda de Congado Reizado 13 de Maio, que saiu do Largo do Rosário, em Lourdes (Rua da Bahia com Rua Timbiras). Da Praça 7 e da Praça da Estação saíram, respectivamente, os blocos afro do carnaval de Belo Horizonte Angola Janga e o Tambolelê. Todos os cortejos foram recepcionados pelo Bloco Afoxé Ilê Odara, um dos mais antigos da capital mineira. Completando a programação de abertura no Parque Municipal, a cantora, compositora e tamborzeira Maíra Baldaia apresentou um show forte e potente.

Um dos destaques da noite de abertura foi o cantor e compositor paraibano, Chico César, que levou uma multidão ao Parque Municipal, cantou seus grandes sucessos e emocionou o público. Ele, que se apresentou no Festival pela terceira vez, ressaltou a diversidade presente no FAN e lembrou que a sociedade é formada pela multiplicidade de imagens, pensamentos e ideologias. “Cada vez mais trata-se de um movimento mais diversificado, empoderado, com mulheres negras, pessoas trans, gays, gente libertária, e eu acho que isso é importante. Essa diversidade vai fazer a gente sentir como é, de fato, a vida real, ou seja, uma vida mais diversa”, pontua.

Já o MC Saci, que se apresentou no after do FAN no sábado, dia 27, no Viaduto Santa Tereza, lembra que o mercado mineiro tem expandido e atraído músicos de outros estados. “São cinco anos aqui em BH, construindo uma história. Por isso, é uma grande satisfação cantar em um festival desse tamanho. Isso vai ficar marcado na minha carreira”, comemora.

CELEBRAÇÃO AO HIP HOP

O movimento que começou no ano de 1973, em Nova Iorque, ganhou adeptos por todo o mundo e no Brasil, um dos maiores contingentes de pessoas negras fora do continente africano, não poderia ser diferente. Os 50 anos do Hip-Hop no mundo e os 40 anos do Hip-Hop no Brasil foram celebrados ao longo do FAN, com uma programação a altura da efervescência cultural, luta e resistência do movimento. A comemoração incluiu, ao longo da semana, apresentações de MV Bill, Iza Sabino e a produção do mural “Um panorama do grafitti em BH”, realizado por um mutirão de 8 artistas.

O domingo, dia 29, que passou a ser informalmente denominado como o “Dia do Hip-Hop no FAN”, levou aos palcos um bate-papo sobre a cena do Hip-Hop em BH, a Batalha de Breaking, shows com MCs representantes das 9 regionais da capital e o encerramento com Major RD, um dos maiores expoentes do rap na atualidade. Artistas das artes visuais também realizaram um Live Painting, criando grafitti sobre tela, ao vivo.

Wanata Aruanã, curador de artes plásticas do FAN BH 2023, explica que o painel teve como objetivo contar um pouco da história do Hip-Hop e mostrar quem faz a arte de rua em BH. “A ideia foi contar um pouco da linguagem do grafite e fazer um recorte desses 40 anos do movimento aqui em Minas. Então, criamos uma linha temporal, de estilo, de variações, apresentando os artistas pretos que estão ocupando a cidade”, pontua.

EXPOSIÇÕES EM ESPAÇOS PÚBLICOS

No FAN BH 2023 foram apresentadas algumas exposições de artes visuais, como a mostra Adinkras, do Instituto de Pesquisa e Estudos Afro-Brasileiros (IPEAFRO), que ficou em cartaz no Parque dos Patins, localizado nas dependências do Parque Municipal. Adinkras é o conjunto de símbolos que representam ideias expressas em provérbios. O adinkra, dos povos Acã, da África ocidental (notadamente os Asante de Gana), é um entre vários sistemas de escrita africanos.

Outra exposição no Parque Municipal foi a mostra Ori, do artista plástico Fernando Costa, que aconteceu no Teatro Francisco Nunes. Orí em yorubá significa cabeça, lugar que abriga os orixás e multidões. O presente é o passado corporificado, fazendo uma ligação direta com o tema do FAN BH 2023, que é a tríade temporal: passado, presente e futuro. Orí é a fala silenciosa que brota dos ancestrais. A cabeça é uma encruzilhada. Local de encontro(s) (infinitos).

Já a Estação Central do Metrô de BH recebeu a exposição Conta (en)canto, das gêmeas Clarisse Ribeiro e Clarelis Ribeiro. Elas, que são trancistas da Região Oeste de Belo Horizonte, brincam com a criatividade do trançar e a infinidade artística que possuem. As tranças são os símbolos do FAN BH 2023, por se tratar de uma tecnologia negra ancestral, agindo como uma ponte entre as tradições ancestrais e as visões futurísticas, tudo em busca de uma compreensão mais profunda do presente.

ROTA KILOMBOLA

Minas Gerais é o terceiro estado brasileiro com maior contingente quilombola no país. Não por acaso, a 12ª edição do Festival de Arte Negra de Belo Horizonte realizou a Rota Kilombola “Trançado Nagô”. Trata-se de uma visita guiada aos seis quilombos na capital mineira. A Rota passou pelos Quilombos Souza, Matias, Mangueiras, Carolinos, Manzo e Luízes. O objetivo da rota foi contar um pouco da história de cada lugar e mostrar o uso que essas comunidades fazem do espaço geográfico, como um território comum de religiosidade, cultura, convivência grupal e familiar e de subsistência. A visita também buscou despertar a reflexão sobre a importância da garantia do direito dos quilombolas, para a manutenção e salvaguarda desses espaços de coletividade, tradição e resistência.

Makota Cássia Kidoiale, representante do Quilombo Manzo, no bairro Santa Efigênia, região Leste de BH, reforça a importância de garantir os direitos dos quilombolas. “A maior reivindicação que fazemos aqui é a garantia de direitos de permanência no território”.

Ela lembra que é a primeira vez que o FAN, em 28 anos de história, faz menção aos quilombos, dando visibilidade às comunidades e construindo políticas públicas coletivas para melhoria da vida da população quilombola. “As políticas públicas precisam ser coletivas, indiferente se for quilombo rural ou urbano. Nossa voz é coletiva, mas também temos nossas especificidades. Precisamos de uma mesa de diálogo permanente com o poder público”, acrescenta.

Glaucia Cristine, representante do Quilombo Souza, fez um paralelo entre o tema do FAN BH e as histórias do quilombo. “É interessante que, para sermos reconhecidos como quilombolas, tivemos que voltar ao passado, levantar informações sobre nossos ancestrais, para projetar um futuro para novas gerações. É a tríade temporal que o FAN sugere”, afirma.

Glaucia disse ainda que ficou emocionada e agradecida por fazer parte do projeto do FAN BH voltado para quilombos. “Fomos reconhecidos em 2019, como forma de resistência de uma ordem de despejo. Sofremos especulação imobiliária, mas com a rede de proteção e a benção dos orixás, conseguimos ser reconhecidos e estamos aqui. É muita persistência e resistência. Todos os quilombos vem lutando para que nossas tradições não sejam apagadas, que sejam passadas para os nossos filhos e netos”, comemora.

MERCADO OJÁ

Com origem na língua Yorubá, que significa “Mercado”, o Ojá, que aconteceu no Parque Municipal, é reconhecido como um espaço de movimentação da Economia Criativa no Festival de Arte Negra de Belo Horizonte, promovendo a circulação de recursos, a realização de encontros, e a troca de ideias e afetos. Também tem como objetivo destacar o trabalho de empreendedoras e empreendedores pretos de BH e Região Metropolitana, criando uma rede de novos negócios e oportunidades.

Para esta edição de 2023 foram selecionados 40 empreendedores individuais ou coletivos que expuseram serviços, ideias e/ou produtos como alimentos, artesanato, cosméticos e estética, moda e acessórios, joias, livros, artes visuais e decoração, valorizando a riqueza criativa e plural da cultura afro. Durante o FAN BH 2023, o Ojá foi o espaço de fazer o black money girar, levando renda aos empreendedores negros.

Vaninha da “Du Carmo Couros”, que expôs no Ojá, fala sobre a importância de fomentar o afroempreendedorismo não só no FAN. “O empreendedor preto produz o ano todo. Trabalhamos com produtos artesanais, criados de maneira consciente, e comercializados com preço justo. Por isso, precisamos ter mais visibilidade. Inclusive, muitas pessoas que passaram pelo FAN não sabiam como nos encontrar. O evento trouxe essa possibilidade”, afirma.

Ela acrescentou: “Foi o meu primeiro FAN como marca. No último eu estive como parte de uma Collab, mas como “Du Carmo Couros” foi minha primeira vez e as minhas vendas foram até além da nossa expectativa. Tudo que produzimos pro FAN, saiu. É como se eu soubesse exatamente o que o público ia querer. Foi marcante”, comemora.

HISTÓRIA DO FESTIVAL DE ARTE NEGRA DE BELO HORIZONTE

O Festival de Arte Negra de Belo Horizonte – FAN BH é realizado pela Prefeitura de Belo Horizonte, em parceria com uma Organização da Sociedade Civil (OSC), selecionada por meio de Chamamento Público, com o propósito de valorizar e difundir a arte de matriz africana na capital mineira.

Desde sua criação, em 1995, o FAN BH tem se consolidado como um importante fórum de encontro e intercâmbio entre artistas locais, nacionais e internacionais para compartilhar ideias, processos artísticos e resultados da Arte Negra. Importante também ressaltar que o caráter internacional da programação do Festival garante à Prefeitura o relevante destaque na realização de eventos mundiais com esta temática.

Com periodicidade bienal, o Festival compreende uma ampla programação cultural, marcada pela diversidade de linguagens artísticas e pela participação de artistas, grupos e pesquisadores da arte e da cultura negra. As referências do FAN BH articulam as raízes ancestrais dessa cultura às expressões da contemporaneidade.

Um grande fluxo criativo e formativo toma conta dos participantes, estimulando a continuidade dos trabalhos a partir de oficinas, apresentações artísticas e encontros informais em vários Centros Culturais, Teatros e no Ojá (“Mercado”, em Yorubá).

Como política pública da Prefeitura de Belo Horizonte, de acesso, formação, democratização e descentralização, o FAN BH atua como importante instrumento de valorização de manifestações artísticas diversas e cumpre o papel de promover o fortalecimento das identidades culturais de matrizes africanas.